domingo, 24 de junho de 2018

O Primo Bil


O menino nasceu num dia 20 de janeiro e ganhou o nome de Sebastião em homenagem ao santo do dia. Era tão franzino, tão branquinho. O forte nome não lhe caía bem e a irmãzinha tinha dificuldade em pronunciá-lo e logo surgiu o apelido de Bil.

Ainda não completara um ano de idade quando os pais, muito jovens, foram presos. Comunistas, foram pegos na militância. A mãe estava com tuberculose e não demorou a morrer na cadeia. Do pai as informações eram de que se suicidara. Ficaram duas crianças órfãs.

A mais velhinha logo foi adotada por uma tia que a criou apenas para que lhe servisse de empregada. O menino virou um fardo para os parentes e passava de casa em casa, de mão em mão.

Bil foi crescendo assim, sem raiz, sem passado, com presente incerto e futuro muito mais. Frequentou pouco a escola.

Quando o conheci morava com meu avô materno e sua esposa Andreza, negra que fora empregada da família e que nunca deixou de chamar meu avô de "seu" Arthur. Andreza era apenas mais uma pessoa que maltratava Bil. Não lhe tinha um gesto de carinho e só vivia mal humorada.

Um dia Bil foi levado à minha casa em Santa Teresa e mamãe anunciou que ele moraria conosco um tempo. Acredito que Bil finalmente foi feliz nessa época. Pre-adolescentes em férias, brincávamos o dia inteiro subindo na mangueira para chupar mangas, sentados nos galhos da árvore que ficava no quintal. Construíamos telefones com latas de leite condensado, ouvíamos discos e tentávamos adivinhar qual o ritmo da próxima música que tocaria no LP colocado no prato da vitrola.
Também íamos ver as "chanchadas" nacionais em algum cine da Cinelândia.

Um dia vi o Bil arrumando a sacola com suas roupas. Imaginei o que estaria acontecendo; Bil iria embora de mais uma casa.

Olhei para meu primo e para sua sacola já pronta. Eu queria dizer que não fosse, mas sabia que não adiantaria.

As lágrimas não rolaram em seu rosto nem no meu, mas meu coração chorou por mim e por aquele menino bom, respeitoso e que iria para uma nova casa porque lar ele nunca teria.

"Nossa" mangueira".
Suely Domingues Canero
.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

O Bairro das Professoras

Nos anos de 1950 e 1960, o sonho de toda mãe era ver a filha com o uniforme do Instituto de Educação, também chamado de Escola Normal, o que queria dizer que a moça sairia dali formada em professora, com emprego público garantido, além do que era considerada a mais feminina das profissões e a mais bem aceita pela Sociedade.

As normalistas tinham uma postura ereta e orgulhosa usando o traje azul e branco, eternizado em uma canção popular.

A maioria das meninas morava na Tijuca, onde se localiza o Instituto, porém poderiam vir de vários pontos da cidade. Assim, muitas daquelas professorinhas casaram-se com algum menino do Colégio Militar - o segundo sonho das mães - e continuaram a residir no mesmo bairro.

Gosto de ir à Tijuca. Aprecio as senhoras que, como donas do pedaço, passam majestosas pelas calçadas da Praça Saens Peña. Algumas vêm em pequenos grupos. Suas roupas assentadas, cabelos cuidadosamente penteados, maquiagem discreta e aquela postura única das antigas normalistas.

Na terra das professoras, no meio da tarde, sentada no shopping Tijuca enquanto espero minhas amigas para um lanche de reencontro, identifico e aprecio as senhoras que passam pisando firme, queixo erguido, no ambiente que lhes pertence.

E me dá uma saudade!


Suely Domingues Canero

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Velhinho é uma ova.

- Velhinho é uma ova!

E ele tem razão. Aos oitenta anos tem uma energia de dar inveja. Passa as noites escrevendo memórias que resultam em livros maravilhosos, pois entremeia fantasias com lembranças, fascinando os leitores.

Sou fã de sua juventude, de seus contos e da vitalidade irrequieta.

Ficaria contando as peripécias desse "velhinho" por dias e dias. Escolhi contar uma delas  aqui.

Num dia qualquer desses de travessuras, meu amigo Amauri solicitou ao filho que lhe fizesse um vídeo para que divulgasse seus livros, via internet, junto aos amigos. O ator seria o próprio Amauri.

Para criar um clima familiar, antecedendo a filmagem de divulgação, Amauri começa o vídeo ensinando como fazer um cafezinho. O vídeo fez muito sucesso entre o círculo de amigos, pois inovador.

Animado, Amauri voltou a solicitar ao filho que lhe fizesse outro vídeo. Desta vez, ao invés do cafezinho inicial, o comercial terminaria com nosso querido escritor memorialista brindando o público com uma pequena dose de cachaça.

Sua mente, sempre trabalhando na criação de histórias, não poderia fazer um comercial qualquer; tinha que ser criativo.

O filho prontamente atendeu e fez a gravação inteira, porém, herdado o temperamento jovial do pai, fingindo avaliar a parte final do clipe, disse-lhe:

- Vamos repetir, pai. O final não ficou bom.

E a cena da tomada final em que Amauri brindava ingerindo a cachacinha foi repetida algumas vezes. A cada tomada que se seguia nosso querido "velhinho" mostrava-se mais alegre e risonho, dando para perceber ao público que o querido amigo estava ficando meio "alto".
A gravação foi postada na íntegra, com as repetições sem cortes, o que a fez ficar ainda mais divertida.

Com esta história não só homenageio meu amigo como levo aos leitores seu exemplo de energia, coragem, criatividade, não importando a idade.

Velhinho? Velhinho é uma ova!


Suely Domingues Canero
Homenagem a Amauri Rodrigues, von Steisloff






terça-feira, 12 de junho de 2018

Bakas e Barriga


Era dezembro de 2009 e estaria acontecendo um grande encontro de ex-alunos dos anos 60 na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Meus dois amigos, quase 8.0, vieram para a reunião com dois dias de antecedência para curtir um pouco a cidade. Bakas partiu de Floripa e Barriga das Alagoas e, no Rio, encontraram-se. 

Dias antes, Barriga me telefonou dizendo que dividiriam um apartamento em um hotel no Catete. 
Ao me anunciar o preço da diária, muito barata, tentei argumentar que ficassem em quartos separados para que tivessem maior privacidade, mas os dois antigos colegas do curso de Agronomia estavam decididos e hospedaram-se no mesmo apartamento.

Não precisaria de bola de cristal para adivinhar o que aconteceria; os meus queridos turrões, viviam a discutir por qualquer motivo.

Procurei organizar passeios com eles envolvendo outros amigos que também haviam chegado com antecedência ao Rio de Janeiro. Assim, fomos parar na Estudantina, famosa gafieira que ficava na Praça Tiradentes. Enquanto nos divertíamos, os dois amigos deram tréguas às rabugices.

Para nossa surpresa, à nossa saída da Estudantina, uma chuva torrencial desabava.
Bakas e Barriga começaram as discussões sobre a estratégia de se conseguir um táxi. Ficaram zanzando na praça Tiradentes, para lá e para cá, na chuva. Eu, de saltos altos, atrás deles como uma barata tonta. Nem me ouviam. 

Após algum tempo, conseguimos um taxista, que deve ter se apiedado dos três velhinhos ziguezagueando sob o toró. Ainda bem que meus amigos não pintam os cabelos e a cabeça branca deve ter comovido o motorista.

Ah! No carro, finalmente! - pensei aliviada.

Mas o provável aconteceu a seguir: os dois continuaram discutindo sobre o melhor lugar para se  conseguir táxi. Já era demais! Instintivamente ordenei:

- Vocês dois, parem! Parecem crianças!

Silêncio... os dois calaram-se.

Deixei-os no Catete e segui para minha casa, na Gávea.

No dia seguinte, já no ônibus que nos levaria à Universidade Rural, soube que separaram  os quartos. Mas já estavam de pazes feitas, pelo menos até a próxima ranhetice.

-//-

Homenagem aos meus amados amigos Geraldo e Alberto (este in memoria)

Suely Domingues Canero

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Brilhante, o Bar.

Brilhante, o Bar

Assim que ficou pronto o edifício 53 da Avenida Rio Branco, os benedenses, como são carinhosamente chamados os empregados do BNDES, foram transferidos da Rua Sete de Setembro número 48 para a nova sede, que fazia esquina com a Rua Visconde de Inhaúma, onde existia o Bar Brilhante no qual fazíamos pequenos lanches à tarde, aproveitando os 15 minutos que o Banco nos concedia.

Os mais antigos funcionários hão de lembrar-se do Brilhante, assim como do sapateiro administrado por um casal de jovens irmãos que assumiram o controle após o falecimento dos pais. Depois, já maduros, instalaram-se no Edifício Avenida Central e continuaram atendendo ao pessoal do BNDES.

Mas voltando ao Brilhante, os empregados nos conheciam, assim como já estávamos acostumados com suas presenças nos atendendo.
Certa tarde dirigi-me ao balcão para solicitar meu lanche a um atendente novato.

- "Mil folhas, por favor" - Solicitei.

O funcionário pegou um monte de guardanapos e começou a embrulhá-los. Estranhei sua atitude e perguntei-lhe:

- "O que está fazendo?"

- "A senhora não pediu 1000 folhas? Estou embrulhando..." - Respondeu ele.

Arregalei os olhos e, com sorriso complacente, apontei o doce exposto na vitrine.

Até hoje, todas as vezes que saboreio meu doce preferido, lembro-me daquele garoto recebendo as gozações de seus colegas de equipe.


Suely Domingues Canero
Ah! Gerações...


A cada década aparecem gírias; umas permanecem, outras não.
Assim, se um adolescente de hoje pudesse ouvir o diálogo de um grupo de jovens dos anos 60 provavelmente não conseguiria entender muita coisa, como aqueles - do grupo onde me incluo - nem sempre conseguem entender os dialetos dos jovens de hoje.

Dizíamos: "Aquele pão está flertando comigo. Ele é o tal."
Traduzindo: Aquele rapaz bonito está me paquerando. Ele é o máximo!

Dizem os jovens hoje. "Vou abalar com esta beca. Vou sair passando o rodo."
Traduzindo esta também: Vou fazer sucesso com esta roupa. Vou namorar todas as meninas.
Aliás, segredando, hoje não se namora: se fica.

As minas já foram uvas, brotinhos, pedaços de mau caminho, a nora que mamãe pediu...

Uma brasa era elogio e bicho poderia ser o amigo ou coisa ótima: "é o bicho, cara".

O que fez meu pensamento levar-me àqueles anos dourados onde os brotinhos flertavam, ficavam gamados e tinham dor de cotovelo foi um simples diálogo em que acabei me envolvendo e que terminou em boas risadas.

Estava eu animada naquele domingo, esperando que minha neta resolvesse - finalmente! - ajudar-me com meu canal do youtube enquanto aguardava o término da conversa que rolava entre ela e a mãe. De repente a mãe diz, concluindo o assunto:

- "Depois a gente bate um papo sobre isso"
Ao que minha neta respondeu:
- "Bate um papo!? Que é isso?"

Foi aí que, querendo ajudar, aconteceu minha trágica intervenção;
-"Dá um plá!" 

Viram as duas para mim, filha e neta, e me olham com caras aterrorizadas. Seria eu um ET?
- "Dá um plá?! Que é isso?"

A risada foi geral porque entrou uma vovó "anos sessenta" no caminho e aí... não deu pé.
A mistura Anos Sessenta mais Anos Oitenta mais Anos Dois Mil... complicou geral...

Quase dei no pé e só não entrei pelo cano porque fui salva, numa boa, pelo Google. O "plá" está lá, para quem quiser conferir.


Suely Domingues Canero



quarta-feira, 6 de junho de 2018

Sonhos Meus

Sonhos Meus nasceu da grande atração pela escrita.
A vida nos leva ao trabalho, ao cuidar de um lar. E os sonhos - muitos! - vão ficando de lado.
Assim, após a aposentadoria pude realizar o desejo de escrever um livro.
E escrevi dois.
Não me considero escritora mas sim memorialista pois gosto de trabalhar com a memória como fonte maior. Gosto de voltar ao tempo e me deter nas músicas, no vestuário e nos costumes da época que procuro retratar.
Anos 60 na Universidade Rural me fez usar muito minha memória e também as dos amigos.
A Gamboa dos Imigrantes veio resgatar as lembranças de uma menininha que nasceu e passou a infância em um bairro portuário do Rio de Janeiro.
Hoje eles estão em e.book em várias livrarias virtuais.
E mais sonhos virei sonhar e realizar neste blog.
Aos poucos as páginas receberão pinceladas de passados: verdadeiros ou falsos, pois na escrita a verdade é a que a gente escolhe.
Sejam bem vindos!

Suely Domingues Canero