O menino nasceu num dia 20 de janeiro e ganhou o nome de Sebastião em homenagem ao santo do dia. Era tão franzino, tão branquinho. O forte nome não lhe caía bem e a irmãzinha tinha dificuldade em pronunciá-lo e logo surgiu o apelido de Bil.
Ainda não completara um ano de idade quando os pais, muito jovens, foram presos. Comunistas, foram pegos na militância. A mãe estava com tuberculose e não demorou a morrer na cadeia. Do pai as informações eram de que se suicidara. Ficaram duas crianças órfãs.
A mais velhinha logo foi adotada por uma tia que a criou apenas para que lhe servisse de empregada. O menino virou um fardo para os parentes e passava de casa em casa, de mão em mão.
Bil foi crescendo assim, sem raiz, sem passado, com presente incerto e futuro muito mais. Frequentou pouco a escola.
Quando o conheci morava com meu avô materno e sua esposa Andreza, negra que fora empregada da família e que nunca deixou de chamar meu avô de "seu" Arthur. Andreza era apenas mais uma pessoa que maltratava Bil. Não lhe tinha um gesto de carinho e só vivia mal humorada.
Um dia Bil foi levado à minha casa em Santa Teresa e mamãe anunciou que ele moraria conosco um tempo. Acredito que Bil finalmente foi feliz nessa época. Pre-adolescentes em férias, brincávamos o dia inteiro subindo na mangueira para chupar mangas, sentados nos galhos da árvore que ficava no quintal. Construíamos telefones com latas de leite condensado, ouvíamos discos e tentávamos adivinhar qual o ritmo da próxima música que tocaria no LP colocado no prato da vitrola.
Também íamos ver as "chanchadas" nacionais em algum cine da Cinelândia.
Também íamos ver as "chanchadas" nacionais em algum cine da Cinelândia.
Um dia vi o Bil arrumando a sacola com suas roupas. Imaginei o que estaria acontecendo; Bil iria embora de mais uma casa.
Olhei para meu primo e para sua sacola já pronta. Eu queria dizer que não fosse, mas sabia que não adiantaria.
As lágrimas não rolaram em seu rosto nem no meu, mas meu coração chorou por mim e por aquele menino bom, respeitoso e que iria para uma nova casa porque lar ele nunca teria.
"Nossa" mangueira".
"Nossa" mangueira".
Suely Domingues Canero
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