domingo, 1 de dezembro de 2019

Bom dia, tristeza!

Na adolescência eu era chegada à introspecção. Foi quando comecei a escrever, a tingir o papel com minha tinta azul Parker King.

Se o tempo estava nublado, ah! Que belas crônicas surgiam!
Se o céu estava estrelado, ah! Que belas poesias brotavam!

Era só uma adolescente, sem saber muito da vida, mas que trazia a alma solitária. Bastava que nuvens cinzentas escondessem o sol e logo me tomava o desejo de mostrar em uma folha de caderno a cor de minha alma.

Já aos dezoito anos, a caneta Parker 21, ganha do primeiro namoradinho, ia colorindo o papel com palavras de amor e solidão. O céu estrelado ou enluarado trazia saudade de um amor encantado que não existia. E estrelas me ditavam o que escrever entre suspiros.

Boleros e sambas-canções, seguidos da bossa nova substituiram a escrita por devaneios contemplativos. E o enlevo me transportava para um mundo mágico.

O acaso me trouxe certa música num desses dias em que a gente sente uma coisa no peito e não sabe o que é. Cantei-a e senti bem estar, como se fora uma pilulinha de ópio. Daí outras vezes aconteceram. Aos sintomas de tristeza eu cantava a música e logo o astral subia.

Não sei como Ricardo descobriu meu segredo. Talvez eu mesma tenha contado. E ele passou a cantá-la para mim sempre que me via calada, distante...
Fiquei um tempo meio longo sem ver o Ricardo, talvez vinte anos...
Em 2009 encontrei-o em um evento e, para minha surpresa, me perguntou:

- Lembra? E cantarolou:

- Bom dia, tristeza. Que tarde, tristeza! Você veio hoje me ver...

Sim, eu me lembrava. E fiquei grata por ele também se lembrar após tanto tempo.

E, exatamente dez anos depois daquele encontro, estou a relembrar um pedaço de minha vida, pretexto para render homenagem ao querido amigo que há pouco se foi a levar alegrias e esperanças em outras dimensões.

Suely Domingues Canero
dezembro 2019

A música é:" Bom dia, tristeza", de Adorinan Barbosa

"Bom dia, tristeza./ Que tarde, tristeza./ Você veio hoje me ver/ Já estava ficando/ Até meio triste/ De estar tanto tempo/Longe de você.
Se chegue, tristeza/Se sente comigo/Aqui, nesta mesa de bar/Beba do meu copo/Me dê o seu ombro/Que é para eu chorar/Chorar de tristeza/Tristeza de amar./ 

quarta-feira, 27 de novembro de 2019


Lá vai Maria - tributo

Nascida no início dos anos 1940, conheci a primeira favela do Rio de Janeiro.
Ela ficava no confronto da Rua da Gamboa com Rua da América, Santo Cristo, região portuária,  Pequenos barracos surgiram no local onde, com a eleição em 1945 do Presidente Eurico Gaspar Dutra, foi construída a Vila Portuária.

Conta-se que os soldados que lutaram na Guerra dos Canudos, na Bahia vieram ao Rio de Janeiro para tentar conseguir trabalho no cais do porto.
Estes soldados, sem salários e sem soldos, criaram seus casebres no morro, coberto apenas de vegetação que, segundo eles, se assemelhava à que existia no morro no qual habitaram em Canudos, chamado "favela". Por este motivo o morro carioca passou a chamar-se Morro da Favela.
Essa é uma das versões sobre a ocupação e é na que acredito.

Ali também habitavam os ex-escravos que, com a abolição da escravatura ficaram sem tutor e sem emprego.

Apenas uns poucos anos depois já existiam outras ocupações de morros no Rio de Janeiro, com pessoas humildes que suportavam viver sem energia elétrica e sem água encanada.

Quando uns dez anos depois, já começando os anos 1950, minha família mudou para Santa Teresa, um bairro muito procurado por estrangeiros, em especial alemãs, devido ao clima fresco e agradável, pudemos conviver com o início do morro da Coroa. Aí, os morros habitados, batizados com outros nomes, já eram tratados todos como favelas.

Como não havia água, as mulheres costumavam descer ao asfalto para pedir um balde ou uma lata de água a alguém que se apiedasse do seu martírio. E lá iam elas, subindo o morro com lata de água na cabeça, equilibrando-se, pois as mãos tinham que estar livres para puxar as crianças. Mas iam cantando, cumprimentando, rindo.

Neste cenário minha família se incluída. Tínhamos uma torneira no quintal da frente da casa onde era permitido que as mulheres ali enchessem suas latas. Minha mãe ficou muito conhecida entre as gentes em virtude desse gesto solidário.

Essa vida sacrificada inspirou dois poetas, Luiz Antonio e Candeias (Jota Jr?) a comporem a Música 
Lata D´água, gravada pela cantora de muito sucesso, Marlene.


Obs.:
"Lata d'água na cabeça
Lá vai Maria, Lá vai Maria
Sobe o morro e não se cansa
Pela mão leva a criançaLá vai MariaMaria Lava roupa lá no altoLutando pelo pão de cada diaSonhando com a vida do asfaltoQue acaba onde o morro principia."

Suely Domingues Canero







quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Encantos e Mistérios de uma Menina


Quem é essa menina que ri do nada, que chora do nada,
Que se entrega a silenciosos devaneiros?
Ainda há pouco as bonecas fantasiavam seu mundo
De meninas iguais, num clube onde meninos não entravam.

Quem é essa menina que guarda segredos,
Que esconde seus medos?
Quem é essa menina que dança sozinha, 
Se olha no espelho, se maquia num mundo-magia,
Se joga inteirinha pra vida que pra ser feliz a convida?

Quem é essa menina com jeito de anjo, e atitude aguerrida?
Quem é essa menina que já não o é?
Quem é esse botão de flor que desabrochou?

É ela, faceira, que de dezoito primaveras se aproxima,
Que deixa a menina pra trás e, destemida, cuida da vida 
E se atira em busca da ponta do arco-iris.

Para Giulia, minha neta.
Suely Domingues Canero
outubro 2019.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Que mídia era aquela?!


Quando era bem pequena, assisti a dois re-encontros de uma forma que, à época, parecia natural: o boca-a-boca. Porém hoje, com todas as facilidades internáuticas, GPS, Waze etc., parece-nos impossível a forma como teria acontecido.

Vou contar-lhes, começando pela história de D. Cândida: sua persistência, sua saudade e seu amor.

Quando minha avó Amélia casou-se com "seu" Eugênio, ele trouxe sua filha, Yvonne que, até então, era criada pela avó paterna, D. Cândida, que, diziam, havia sido escrava.

Quando Yvonne estava com 13 anos, Eugênio teve um ataque cardíaco vindo a falecer. Assim, Yvonne ficou sem mãe, sem pai e sem avó, pois haviam perdido contato. Mas tinha a madrasta, minha avó, que acabou de criá-la. 

Vó Amélia mudou-se de moradias algumas vezes. Assim, Yvonne perdeu o vínculo com qualquer parente sanguineo. Acabaram fixando residência em um bairro da região portuária do Rio de Janeiro. 

Muitos anos se passaram. Yvonne já estava uma mulher quando apareceu na porta da casa onde moravam uma senhorinha negra, curvada, doente à sua procura.  Era D. Cândida que jurara que antes de morrer haveria de encontrar sua única neta. O encontro foi emocionante e a senhora, muito doente, pôde passar os poucos dias que ainda lhe restavam de vida junto àquela menina que um dia saiu de sua casa e não mais voltou.

Saber como chegou ao endereço da neta é um mistério nunca desvendado.

~~~

O segundo caso aconteceu com essa mesma avó Amélia. 
Era inverno e minha avó viu que, no bairro portuário em que residiam, havia uma senhora morando na rua. Sensibilizada, solidária, chamou a mulher a dormir num cantinho da cozinha. No início era só isso e um prato de comida. Aos poucos nossa família começou a perceber os hábitos e modos finos da senhora e ela passou a morar conosco, dormindo no quartinho do porão da casa.

Stella era seu nome, mas todos a chamavam de Dona Stella, incluindo minha avó. Era época de segunda guerra mundial e ela contava que o filho partira para a guerra, na Itália. A família ouvia a história com certa dúvida. Nunca se soube como ela ficou naquela situação de miséria. Como viera aparecer naquele bairro portuário? Especulava-se se teria vindo trazer o filho ao navio que o levaria à guerra e por ali ficava na esperança de breve retorno.

Aquela era uma época de muita aflição, pois o presidente Getúlio Vargas, que assegurava que não entraria na segunda guerra mundial que estava acontecendo, tendo navios brasileiros afundados por alemãs, não teve alternativas e enviou tropas para a Itália. Cada mãe ou esposa temia pela convocação de seus rapazes para lutar no front italiano.

D. Stella aparentava tranquilidade. Pensava na possibilidade de o filho estar vivo, mas pouco falava no assunto. Será que acreditavam nela?

Certo dia de 1948, já passados três anos do término da guerra e sem notícias do filho, Stella viu aparecer um jovem casal na porta do casarão onde moravam. Um jovem moreno, alto, bonito trazia uma mala. Uma mulher linda segurava seu braço. Era Noêmia, italiana com quem Luiz, o pracinha, filho de D. Stella, casara. Noêmia era alta, pele clara, corpo bem feito, cabelos compridos com cachos suaves. Chegou enchendo o ambiente de beleza. E Luiz, após apresentá-la a todos, anunciou que viera para buscar a mãe. Nenhum gesto de carinho. Sem abraço, sem beijo, sem emoção...

Minha avó apontou-lhe o dedo no nariz dizendo que ele abandonara a mãe na rua  e faria de novo e que fariam a mãe de empregada, e lançou mil argumentos para que D. Stella não os acompanhasse... Mas  a sofrida mãe quis ir-se com ele. E assim nossa querida moradora deixou um vazio enorme em nossos corações. Lembro-me de que chorei muito. Ninguém mais me chamaria de cambaxirra.


Suely DominguesCanero - set.2019

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Síndrome


Vazia está a casa.
As crianças bateram asa
Em busca de novo caminho
Deixando vazio o ninho

Há pouco ali brincavam
E os brinquedos largavam
Aos aromas de bolo e pipoca
Que da cozinha exalavam.

Tudo era só alegria
Mas enfim chegou o dia
Dos passarinhos voarem
Deixando a casa vazia 
Sem risos e sem folias.
Somente fotografias...

Vivendo da fantasia 
De que retornem um dia 
A mãe esconde a saudade
Daquelas que eram crianças
Daquela que ela era.


30/08/2019 Suely

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Envelhecer Anos 2010.


Todos os dias ela acorda e arruma a casa. 
Nada fica fora de lugar. Pias sem louças para lavar, varal com as roupas limpas penduradas, pisos totalmente varridos, cama bem feita... Até sua bolsa pessoal ela arruma.
Sempre pensando que se chegasse alguém exibiria, com orgulho, sua disciplina.
Como se fora a bela adormecida, espera alguém que venha despertá-la dessa rotina.
- Ela está em seu castelo, olê olê olá...

Seguindo o hábito, toma banho, arruma-se e maquia-se levemente.
Se chegar alguém estará arrumada, tal e qual seu lar.
Se tiver que ir a qualquer atividade fora de casa, já estará devidamente pronta.
De segunda a sábado, os compromissos bancários, compras, academia enchem seu tempo.

A geladeira não pode ficar vazia. Está sempre abastecida, pois se chegar alguém terá o que oferecer.

Assim passa a semana. De segunda a sábado. O relógio acelera o tempo.
- O tempo passou a correr, a correr, a correr...

De vez em quando o interfone toca e, qual galope de um cavalo, ela corre a atender. Logo a decepção, pois,via de regra, é o porteiro avisando que fechará a coluna de água.

Domingo, ah! o domingo!
Chegado o domingo, que já fora no passado remoto o dia das famílias e amigos se visitarem, segue a rotina na esperança de a campainha tocar anunciando a chegada de alguém.
- Mas o muro é muito alto, olê olê olá...

À tardinha, já cansada da inércia, torce para a segunda-feira chegar rápido.
Sob as cobertas, de pijama,  abraçada a seu cachorrinho, desistindo dos programas bobos da TV, dá a última olhada do dia nas redes sociais. Muitos desejos de coisas boas, muitas figurinhas bonitas, muitos abraços e beijos... muitos. Onde estão esses mensageiros do rei? Quanta solidão escondem atrás dessas mensagens?

O sono chega e ela se prepara para, na segunda-feira, começar tudo de novo. 
Quem sabe alguém chegará de surpresa? Quem sabe?
- Adormeceu a rosa assim, bem assim, bem assim...

Sem galope, sem campainha, nenhum rei ou rainha para o toque dos lábios, para o abraço apertado.
- O mato cresceu ao redor, ao redor, ao redor... ao redor. 



Suely Domingues Canero

sábado, 4 de maio de 2019

Palavras Mal Ditas

Palavras mal ditas

É muito difícil dialogar com pessoas que não procuram entender a mensagem de uma frase mal construída, melindrando-se com o que, erradamente, interpretam o que diz o interlocutor que não foi feliz na colocação das palavras. Porém, ao invés de pedir explicação do que ouviu ou deixar que o interlocutor tente explicar-se, não dão oportunidade de ouvir as construções em uma nova abordagem. Melindram-se, magoam-se e magoam o orador com a falta de oportunidade de se explicar, deixando que o mal estar pese em ambos.

É certo que existem também pessoas que não sabem expressar-se devidamente e não têm filtragem verbal, levando o ouvinte a interpretar de forma maldita suas palavras. 

Qual a proposta? A proposta seria que, após uma palavra mal dita, o ouvinte dê ao opositor a oportunidade de expressar-se de maneira tal que dirima as dúvidas que causou desconforto ao diálogo e que levou à mágoa.

Construída de maneira correta poderá haver o perdão do mal dito, tornando a palavra maldita em bendita.

E benditos sejam os diálogos claros e clareados, se oportunidade tiverem.


Suely Domingues Canero
2019



Oi, Mãe,



Oi, Mãe,


Aproxima-se o dia das mães; de todas as mães.

Para mim, dia das mães, do teu aniversário, do teu adeus a este mundo são os dias em que me lembro mais profundamente de você, embora não haja um dia em que você não apareça em meus pensamentos.

Imagine, mãe, que venho me comportando anos e anos como se filha única fosse, porém hoje tomei consciência de que você tem a Suelem que, claro, deve estar em seu lado, aproveitando com você a vida que não puderam ter aqui.

Egoisticamente fico pensando que você ainda depende unicamente de meu amor filial para levar-lhe mensagens, pensamentos e orações. Porque você me fez tudo como se única eu fosse.

Mas você tem a Suelem também, mãe. E ela está aí, com você, te dando todo carinho e conforto que a precoce separação não lhes permitiu compartilhar.

Mãe, que bom tomar consciência disso hoje, que me trouxe tanta emoção. Vou ter que reprogramar toda a fita em meus pensamentos, pois entendi agora que sua felicidade não dependia só de mim. 

Feliz Dia das Mães para vocês. mãe e Suelem. Muita luz!


Suely Domingues Canero
2018








terça-feira, 9 de abril de 2019

Lincoln Ferreira Espíndola

LINCOLN FERREIRA ESPINDOLA

A placa com o nome do médico ficava fixada na porta do casarão de número 39 da Rua da América, em Santo Cristo, onde alugava dois cômodos que lhe serviam de consultório.

Dr. Lincoln era o médico das famílias dos bairros de Santo Cristo e Saúde, na região portuária do Rio de Janeiro. Ali viviam muitos núcleos familiares de imigrantes portugueses e espanhóis, como era o caso de Dona Carmen, que imigrou adolescente de Vigo, Espanha.

Criara sozinha os sete filhos após a viuvez e não pensou duas vezes quando o médico propôs alugar-lhe os cômodos da frente de sua casa para transformá-los em consultório.

Uma vez acordado, o médico, então, fizera sua mudança trazendo seu pouco mobiliário do número 36, onde clinicava nos fundos da Farmácia, de D. Clarice e Sr. Alípio. Na Saúde, seu consultório ficava na Rua Pedro Ernesto, aos fundos da farmácia de propriedade de seu irmão.

Estatura mediana, puxando para um tipo meio gordinho, elegante em seu uniforme branco de profissão, sempre  acompanhado de sua maleta com os instrumentos necessários aos diagnósticos e aos primeiros socorros. Para auscultar o paciente usava o próprio ouvido encostado às suas costas. Atendia a todos, desde crianças, partos, idosos e a qualquer chamado que fosse necessário. 

Era médico autônomo e cobrava o preço da consulta que estava ao alcance dos moradores.  Por vários e vários anos atendeu aquela população carente que lhe depositava confiança. Quando alguém adoecia, inevitavelmente, ouvia-se o pedido:

- Chama o Dr. Lincoln?

Alguns anos depois o médico mudaria seu consultório para o sobrado do número 38, na mesma rua da América.

Nessa jornada, vivenciou anos de atendimento médico de sucesso, muitos casos difíceis que teve que enfrentar, praticamente sem recursos, em seu modesto consultório. Talvez o caso mais dramático tenha sido o de uma menina de cinco anos trazida ao colo por sua desesperada mãe e em poucos minutos, apesar dos esforços médicos, morreria, consternando todo o bairro.

Ao mudar-me de Santo Cristo na adolescência perdi o contato com o Dr. Lincoln e com muitas pessoas que fizeram parte de minha infância.

Mas uma surpresa me aguardava para dali a alguns anos; minha avó, D. Carmen, que lhe alugara os cômodos, convidou-o, em 1969, para meu casamento cuja recepção foi em casa dela, a mesma onde Dr. Lincoln clinicara.

Ao vê-lo ali, em meu casamento, em uma casa tão simples, fiquei feliz e agradeci à minha avó o carinho de me proporcionar um presente não material, mas afetivo, pedaço de minha memória, reforçada pelo discurso que o médico preparara para a tradicional hora de cortar o bolo.

Após deixar Santo Cristo, imaginava que deixaria para trás meu passado. Ingênua ilusão! Ah! as saudades! Memórias daquelas figuras impressionantes; os médicos de famílias, tais como encarnava o doutor Lincoln! E, em qual plano aquele médico estiver, saiba que terá gravada com carinho a sua dedicação a todos os clientes da Saúde e do inesquecível Santo Cristo da minha infância.

~.~

Fonte: pesquisa com moradores da época (Anos 40 e 50), baseado apenas em memórias, nem sempre precisas
           Último parágrafo: colaboração de meu amigo escritor Amauri Rodrigues.

Após Dr. Lincoln mudar-se, outro bondoso médico assumiu os pacientes. Ele fazia também um papel social e, após a derrubada das casas do lado ímpar da Rua da América, para a construção de um viaduto, este lado da rua ganhou o seu nome: Waldemar Dutra. O lado direito continua como Rua América.

Suely Domingues Canero

domingo, 31 de março de 2019

Aniversariando


Mais um 30 de março!
Mais um outono; mais uma "primavera".
Mais certezas e mais dúvidas.
Menos culpas.
Ânsia maior, e cada vez maior, de liberdade.
Que apontem o dedo pra lá porque, para mim, não adianta.
Tenho aquela adolescência natural dos idosos 
e tamblém a seriedade bobona dos adultos.
Quero um yeyeyê para dançar até cansar.
Também quero aquela paquera antiga que a net sabe onde encontrar.
Quero amigos pra dizer "olá". E inimigos pra dizer 'vá se catar'.
Quero ser eu e somente eu.
Quero comemorar com uma taça de vinho o meu aniversariar.

Suely Domingues Canero - em 30 de março de 2014.

domingo, 27 de janeiro de 2019

Vovós Benzedeiras (Da série Vovós anos 1940)

Eu e minha irmã caçula, Suelem, ainda bebês, contraímos sarampo. Suelem veio a falecer deixando a família desolada e mamãe em desespero, sentindo-se culpada. Não era.

A época era de pouco avanço na medicina, sem vacina e sem tratamento para a doença. Os mais velhos diziam que para curar sarampo bastava colocar um lenço vermelho no pescoço. Mas não, a terrível doença poderia levar à meningite e à morte. E foi o que aconteceu à pequena Suelem.

Após esse episódio dramático, mamãe apavorava-se a cada vez que eu tinha pequena febre ou náuseas e corria a pedir socorro às minhas avós, que moravam nas vizinhanças. E lá vinham elas em socorro da neta.

Ambas as avós eram espíritas. Vovó Amélia logo baixava um caboclo e me dava passes ou, caso fosse um simples galo na cabeça, pegava um facão e, batendo na porta, dizia:

- Esta porta tem três tábuas: um, dois, três. 
E no um, no dois e no três, apertava a lateral da faca no galo "para não cantar de noite".

Também me fazia passar por um exame minucioso de "espinhela caída". Juntava meus braços no alto da cabeça como se fizesse um alongamento. As pontas dos dedos tinham que terminar juntas; caso uma delas estivesse mais curta durante o alongamento, o diagnóstico: espinhela caída. E vinha a receita: um banho de sal grosso com arruda:

- Não pode jogar água na cabeça; é do pescoço para baixo.

Já minha avó paterna, Carmen, possuía o poder de acalmar-me, de transmitir-me confiança tão grande que mal eu começava a sentir os primeiros sinais de mal estar pedia que a chamassem. Ela sentava-se a meu lado na cama, punha as mãos em minha testa e rezava. Aquilo me confortava muito e me dava a certeza de que logo ficaria boa.

Vovó Carmen também poderia colocar rodelas de batata em minha testa e prendê-las com um lenço.
E ficava ali, sentada junto a mim, até que tudo estivesse bem.

Eu as amava muito. Eram grande esteio em minha vida.

Suely Domingues Canero.