terça-feira, 9 de abril de 2019

Lincoln Ferreira Espíndola

LINCOLN FERREIRA ESPINDOLA

A placa com o nome do médico ficava fixada na porta do casarão de número 39 da Rua da América, em Santo Cristo, onde alugava dois cômodos que lhe serviam de consultório.

Dr. Lincoln era o médico das famílias dos bairros de Santo Cristo e Saúde, na região portuária do Rio de Janeiro. Ali viviam muitos núcleos familiares de imigrantes portugueses e espanhóis, como era o caso de Dona Carmen, que imigrou adolescente de Vigo, Espanha.

Criara sozinha os sete filhos após a viuvez e não pensou duas vezes quando o médico propôs alugar-lhe os cômodos da frente de sua casa para transformá-los em consultório.

Uma vez acordado, o médico, então, fizera sua mudança trazendo seu pouco mobiliário do número 36, onde clinicava nos fundos da Farmácia, de D. Clarice e Sr. Alípio. Na Saúde, seu consultório ficava na Rua Pedro Ernesto, aos fundos da farmácia de propriedade de seu irmão.

Estatura mediana, puxando para um tipo meio gordinho, elegante em seu uniforme branco de profissão, sempre  acompanhado de sua maleta com os instrumentos necessários aos diagnósticos e aos primeiros socorros. Para auscultar o paciente usava o próprio ouvido encostado às suas costas. Atendia a todos, desde crianças, partos, idosos e a qualquer chamado que fosse necessário. 

Era médico autônomo e cobrava o preço da consulta que estava ao alcance dos moradores.  Por vários e vários anos atendeu aquela população carente que lhe depositava confiança. Quando alguém adoecia, inevitavelmente, ouvia-se o pedido:

- Chama o Dr. Lincoln?

Alguns anos depois o médico mudaria seu consultório para o sobrado do número 38, na mesma rua da América.

Nessa jornada, vivenciou anos de atendimento médico de sucesso, muitos casos difíceis que teve que enfrentar, praticamente sem recursos, em seu modesto consultório. Talvez o caso mais dramático tenha sido o de uma menina de cinco anos trazida ao colo por sua desesperada mãe e em poucos minutos, apesar dos esforços médicos, morreria, consternando todo o bairro.

Ao mudar-me de Santo Cristo na adolescência perdi o contato com o Dr. Lincoln e com muitas pessoas que fizeram parte de minha infância.

Mas uma surpresa me aguardava para dali a alguns anos; minha avó, D. Carmen, que lhe alugara os cômodos, convidou-o, em 1969, para meu casamento cuja recepção foi em casa dela, a mesma onde Dr. Lincoln clinicara.

Ao vê-lo ali, em meu casamento, em uma casa tão simples, fiquei feliz e agradeci à minha avó o carinho de me proporcionar um presente não material, mas afetivo, pedaço de minha memória, reforçada pelo discurso que o médico preparara para a tradicional hora de cortar o bolo.

Após deixar Santo Cristo, imaginava que deixaria para trás meu passado. Ingênua ilusão! Ah! as saudades! Memórias daquelas figuras impressionantes; os médicos de famílias, tais como encarnava o doutor Lincoln! E, em qual plano aquele médico estiver, saiba que terá gravada com carinho a sua dedicação a todos os clientes da Saúde e do inesquecível Santo Cristo da minha infância.

~.~

Fonte: pesquisa com moradores da época (Anos 40 e 50), baseado apenas em memórias, nem sempre precisas
           Último parágrafo: colaboração de meu amigo escritor Amauri Rodrigues.

Após Dr. Lincoln mudar-se, outro bondoso médico assumiu os pacientes. Ele fazia também um papel social e, após a derrubada das casas do lado ímpar da Rua da América, para a construção de um viaduto, este lado da rua ganhou o seu nome: Waldemar Dutra. O lado direito continua como Rua América.

Suely Domingues Canero