Se o tempo estava nublado, ah! Que belas crônicas surgiam!
Se o céu estava estrelado, ah! Que belas poesias brotavam!
Era só uma adolescente, sem saber muito da vida, mas que trazia a alma solitária. Bastava que nuvens cinzentas escondessem o sol e logo me tomava o desejo de mostrar em uma folha de caderno a cor de minha alma.
Já aos dezoito anos, a caneta Parker 21, ganha do primeiro namoradinho, ia colorindo o papel com palavras de amor e solidão. O céu estrelado ou enluarado trazia saudade de um amor encantado que não existia. E estrelas me ditavam o que escrever entre suspiros.
Boleros e sambas-canções, seguidos da bossa nova substituiram a escrita por devaneios contemplativos. E o enlevo me transportava para um mundo mágico.
O acaso me trouxe certa música num desses dias em que a gente sente uma coisa no peito e não sabe o que é. Cantei-a e senti bem estar, como se fora uma pilulinha de ópio. Daí outras vezes aconteceram. Aos sintomas de tristeza eu cantava a música e logo o astral subia.
Não sei como Ricardo descobriu meu segredo. Talvez eu mesma tenha contado. E ele passou a cantá-la para mim sempre que me via calada, distante...
Fiquei um tempo meio longo sem ver o Ricardo, talvez vinte anos...
Em 2009 encontrei-o em um evento e, para minha surpresa, me perguntou:
- Lembra? E cantarolou:
- Bom dia, tristeza. Que tarde, tristeza! Você veio hoje me ver...
Sim, eu me lembrava. E fiquei grata por ele também se lembrar após tanto tempo.
E, exatamente dez anos depois daquele encontro, estou a relembrar um pedaço de minha vida, pretexto para render homenagem ao querido amigo que há pouco se foi a levar alegrias e esperanças em outras dimensões.
dezembro 2019
A música é:" Bom dia, tristeza", de Adorinan Barbosa
"Bom dia, tristeza./ Que tarde, tristeza./ Você veio hoje me ver/ Já estava ficando/ Até meio triste/ De estar tanto tempo/Longe de você.
Se chegue, tristeza/Se sente comigo/Aqui, nesta mesa de bar/Beba do meu copo/Me dê o seu ombro/Que é para eu chorar/Chorar de tristeza/Tristeza de amar./