quarta-feira, 27 de novembro de 2019


Lá vai Maria - tributo

Nascida no início dos anos 1940, conheci a primeira favela do Rio de Janeiro.
Ela ficava no confronto da Rua da Gamboa com Rua da América, Santo Cristo, região portuária,  Pequenos barracos surgiram no local onde, com a eleição em 1945 do Presidente Eurico Gaspar Dutra, foi construída a Vila Portuária.

Conta-se que os soldados que lutaram na Guerra dos Canudos, na Bahia vieram ao Rio de Janeiro para tentar conseguir trabalho no cais do porto.
Estes soldados, sem salários e sem soldos, criaram seus casebres no morro, coberto apenas de vegetação que, segundo eles, se assemelhava à que existia no morro no qual habitaram em Canudos, chamado "favela". Por este motivo o morro carioca passou a chamar-se Morro da Favela.
Essa é uma das versões sobre a ocupação e é na que acredito.

Ali também habitavam os ex-escravos que, com a abolição da escravatura ficaram sem tutor e sem emprego.

Apenas uns poucos anos depois já existiam outras ocupações de morros no Rio de Janeiro, com pessoas humildes que suportavam viver sem energia elétrica e sem água encanada.

Quando uns dez anos depois, já começando os anos 1950, minha família mudou para Santa Teresa, um bairro muito procurado por estrangeiros, em especial alemãs, devido ao clima fresco e agradável, pudemos conviver com o início do morro da Coroa. Aí, os morros habitados, batizados com outros nomes, já eram tratados todos como favelas.

Como não havia água, as mulheres costumavam descer ao asfalto para pedir um balde ou uma lata de água a alguém que se apiedasse do seu martírio. E lá iam elas, subindo o morro com lata de água na cabeça, equilibrando-se, pois as mãos tinham que estar livres para puxar as crianças. Mas iam cantando, cumprimentando, rindo.

Neste cenário minha família se incluída. Tínhamos uma torneira no quintal da frente da casa onde era permitido que as mulheres ali enchessem suas latas. Minha mãe ficou muito conhecida entre as gentes em virtude desse gesto solidário.

Essa vida sacrificada inspirou dois poetas, Luiz Antonio e Candeias (Jota Jr?) a comporem a Música 
Lata D´água, gravada pela cantora de muito sucesso, Marlene.


Obs.:
"Lata d'água na cabeça
Lá vai Maria, Lá vai Maria
Sobe o morro e não se cansa
Pela mão leva a criançaLá vai MariaMaria Lava roupa lá no altoLutando pelo pão de cada diaSonhando com a vida do asfaltoQue acaba onde o morro principia."

Suely Domingues Canero