Artes e Manhas da Vovó (Da série Vovó Anos 1940)
- Vó, já tá seco?
- Não
Meia hora depois...
- Vó, já secou?
- Ainda não.
- Falta muito, vó? Tá demorando...
- Está quase...
O calor era intenso no bairro de Santo Cristo onde morávamos e, nas férias de verão, eu queria brincar na vila o dia inteiro com as amiguinhas da vizinhança; era difícil prender-me em casa.
Minha avó materna, que cuidava de mim enquanto minha mãe trabalhava fora, já não sabia o que inventar para segurar-me um pouco. Contava histórias, fazia roupinhas de bonecas e estava sempre tentando ocupar-me. Mas avó não é coleguinha de folguedo e, por mais que se esforçasse, não conseguia substitui-las. Para que vovó entendesse isso, eu dizia chorosa:
- Eu queria uma irmã, pra brincar comigo.
Assim, enquanto não saía para as brincadeiras, eu não lhe dava sossego.
Foi aí que D. Amélia teve uma boa ideia. Como eu tinha um macacãozinho o qual adorava, vovó, com toda doçura, me convenceu de que essa roupinha era a mais apropriada para uso diário contra o calor e para isso teria que ser lavado todos os dias.
- Mas, vovó, vão pensar que eu não tomo banho se eu usar sempre a mesma roupa.
- Não, querida, ele vai ficar muito limpinho e você também.
- Mas vai demorar a secar... - choramingava
Concordei, afinal, e todos os dias acontecia o ritual. Pela manhã, o macacãozinho era lavado e colocado a secar na "corda" que, na verdade, era um arame comprido, suspenso por um bambu e que ficava no quintal, aos fundos da casa. Vovó me dizia que quando estivesse seco poderia vesti-lo e brincar com as amiguinhas.
O tempo passava. O macacão torrava. O almoço era servido e também o lanche.
- Vó, tá demorando demais. - Já chorosa, lá pelas três da tarde, sentadinha à soleira da porta de casa.
Por volta das cinco horas, sol quebrando, vovó anunciava que, finalmente, o pequeno traje, o mais fresco do mundo, estava seco.
Então eu tomava meu banho na bacia de alumínio que vovó pusera com água ao sol a esquentar e, vestida com meu macacãozinho, saía feliz às brincadeiras, sem adivinhar as artimanhas da vovó Amélia para prender-me em casa.
Obs.: Muitas histórias tenho com minhas avós e muitas delas aparecerão aqui.
Suely Domingues Canero