domingo, 29 de julho de 2018

O Homem que eu quero 


Quero um homem que me tire as sandálias

E faça massagens nos pés para eu relaxar.

Que me esfregue as costas na hora do banho

E que me passe creme após eu me enxugar.

Que acarinhe minha cabeça

E me beije o rosto antes de deitar.

Quero um homem que me leve a jantar 

E que não me pergunte onde me levar.

Quero um homem disposto a conversar

Mas que silencie p'ra não me acordar.

Que me cubra os ombros quando o frio chegar.

Um homem que comigo dance, dance

E dance até eu me cansar.

Quero um homem que me abrace forte

Mas que beije devagar.


Suely Domingues Canero


domingo, 22 de julho de 2018

Ovo de Chocolate  - Afago na Alma          (Da série: Vovó Anos 1940)


Desde que a avó colocara o ovo de Páscoa que ganhara de uma vizinha na cristaleira, Linda ansiava por provar um pedaço daquele chocolate. Já o sentia derreter em sua boca e escorrer garganta abaixo.

Linda estava acostumada às delícias do bastão de chocolate roliço da fábrica Bhering, situada no bairro onde morava, com o qual roçava os lábios a fingir que era batom. Então ia sorvendo, aos poucos, a delícia daquele paladar que lhe despertava todos os sentidos. 

Por isso esperava ansiosa o momento em que vovó Carmen repartiria o presente tão fortemente guardado no móvel da sala.

Única criança da família, suas vontades eram todas satisfeitas e, assim, chegou-se à avó e perguntou:

- Vó, quando você vai abrir o ovo?

- Deixa o ovo quieto lá, menina. - Respondeu a velha espanhola.

Linda deixou o ovo quieto, porém em todos os dias corria à cristaleira para ver se ele ainda estava lá. Queria estar por perto quando a avó o abrisse.
Não abandonava a sensação de ir aos céus ao colocar o primeiro pedaço na língua.

Os dias foram passando, as semanas e meses também.  O ovo virou um enfeite permanente. 
Linda já se conformara e quase não se dava conta da presença dele.
Por que a velhota o expunha torturante no móvel de vidro? Por que não o repartia para que todos comecem um pedacinho que fosse? Para Linda aquilo não tinha sentido.

Certo dia o ovo sumiu e a menina correu à avó a perguntar:

Vó, cadê o ovo de Páscoa da cristaleira?

- Joguei fora. Mofou - Disse a velha.

Linda sentiu muita tristeza. Acostumada aos mimos da família, como a avó lhe negara um pedaço do chocolate do ovo? Por que deixou que se estragasse?
Amuada, sentou-se ao pé da escada que levava a cozinha ao quintal enquanto uma lágrima descia em sua face. Apesar de amar muito a avó não o poderia naquele momento.

Só a velha imigrante sabia o que representava para ela mesma aquele ovo de Páscoa. O doce que nunca tivera em criança, época de extrema pobreza. Não poderia reparti-lo. Ela ganhara, já na maturidade, seu primeiro ovo de Páscoa, seu primeiro doce, e quis prorrogar o prazer de tê-lo ganho, de estar feliz.

Olhou enternecida para a neta, porém, só aquela vez, não poderia ter mimado sua querida garotinha. Mas pôde convidá-la para o lanche da tarde que Linda adorava, aquele que as tornava cúmplices; uma xícara de chocolate quente.


Suely Domingues Canero - 2018

domingo, 15 de julho de 2018



Artes e Manhas da Vovó           (Da série Vovó Anos 1940)

- Vó, já tá seco?

- Não

Meia hora depois...

- Vó, já secou?

- Ainda não.

- Falta muito, vó? Tá demorando...

- Está quase...

O calor era intenso no bairro de Santo Cristo onde morávamos e, nas férias de verão, eu queria brincar na vila o dia inteiro com as amiguinhas da vizinhança; era difícil prender-me em casa. 

Minha avó materna, que cuidava de mim enquanto minha mãe trabalhava fora, já não sabia o que inventar para segurar-me um pouco. Contava histórias, fazia roupinhas de bonecas e estava sempre tentando ocupar-me. Mas avó não é coleguinha de folguedo e, por mais que se esforçasse, não conseguia substitui-las. Para que vovó entendesse isso, eu dizia chorosa:

- Eu queria uma irmã, pra brincar comigo.

Assim, enquanto não saía para as brincadeiras, eu não lhe dava sossego.

Foi aí que D. Amélia teve uma boa ideia. Como eu tinha um macacãozinho o qual adorava, vovó, com toda doçura, me convenceu de que essa roupinha era a mais apropriada para uso diário contra o calor e para isso teria que ser lavado todos os dias.

- Mas, vovó, vão pensar que eu não tomo banho se eu usar sempre a mesma roupa.

- Não, querida, ele vai ficar muito limpinho e você também.

- Mas vai demorar a secar... - choramingava

Concordei, afinal, e todos os dias acontecia o ritual. Pela manhã, o macacãozinho era lavado e colocado a secar na "corda" que, na verdade, era um arame comprido, suspenso por um bambu e que ficava no quintal, aos fundos da casa. Vovó me dizia que quando estivesse seco poderia vesti-lo e brincar com as amiguinhas. 

O tempo passava. O macacão torrava. O almoço era servido e também o lanche.

- Vó, tá demorando demais. - Já chorosa, lá pelas três da tarde, sentadinha à soleira da porta de casa.

Por volta das cinco horas, sol quebrando, vovó anunciava que, finalmente, o pequeno traje, o mais fresco do mundo, estava seco.

Então eu tomava meu banho na bacia de alumínio que vovó pusera com água ao sol a esquentar e, vestida com meu macacãozinho, saía feliz às brincadeiras, sem adivinhar as artimanhas da vovó Amélia para prender-me em casa. 


Obs.: Muitas histórias tenho com minhas avós e muitas delas aparecerão aqui.

Suely Domingues Canero














domingo, 8 de julho de 2018


"Filha Única"


Quero uma irmã pra brigar, pra reclamar, 
mas que me socorra na hora em que a dor pintar.

Quero uma irmã pra ter ciúme, pra arrasar,

mas que me proteja se alguém me machucar.

Quero uma irmã pra pegar meu vestido favorito

e usar... sem me consultar.

Quero uma irmã pra conversar e pra fofocar,

que me abrace pra me confortar

e que sinta meu abraço quando precisar.

Quero a autenticidade, a troca,

a cumplicidade no olhar.

Quero aquela pessoa que 

venha tirar o tédio que chega sem anunciar.

Quero uma irmã verdadeira 

com mistura de DNA.


Suely Domingues Canero  (Em memória de Suelem)








domingo, 1 de julho de 2018

Um dia com a vovó        - Anos 2010

- Querida, arrumou a pasta?

- Mochila, vó.

- Leva os cadernos?

- Não, vó, levo o tablet

- E o passe do ônibus, está levando?

- Bilhete, vó. Tô levando.

- Por que você não está de uniforme?

- Não precisa, vó.

- Mas esse short está curto.

- É assim que se usa, vó.

- Ah, e a merenda?

- Lanche, vó. Compro lá.

- 'tá bom, precisa de dinheiro?

- Não, vó, tenho cartão do banco.

- Tchau vó. Da escola vou pro shopping com minhas amigas, tá?

- Avisou à sua mãe?

- Não, vó. Avisa pra ela?

- Tá, querida. Lembra de ligar pra casa. Está levando o celular?

- Tô, vó. Te mando um whatsapp, ok?

- Ok, querida. Tchau.


Suely Domingues Canero