Querida Arlinda
Arlinda era
uma negra forte. Morava na favela e era empregada doméstica.
Excelente
cozinheira e ótima no trato com crianças.
Ganhava pouco
e seu lar, podia-se dizer, era o emprego, pois as folgas eram quinzenais.
Quando, sem estar
casada, emprenhou, contou à patroa. Não sabia se seria aceita com uma criança.
Mas foi.
Empregada e patroa eram jovens. O filho de Arlinda, o quarto menino a chegar a casa, foi bem recebido.
A vida
seguia. Arlinda tomou amor pelas crianças. O filho, tratado igual aos dos
patrões.
Arlinda amava aquela família. Incansável, servia sozinha grandes jantares nos
dias comemorativos. Tinha ciúme de sua cozinha.
Era a rainha da casa, depois da
patroa. As outras empregadas que se comportassem,
senão lhes aplicava descomposturas.
senão lhes aplicava descomposturas.
As crianças passaram
pela adolescência e ficaram adultas. Cresceram amando Arlinda e
recebendo seu afeto.
Vieram os netos. O tempo passando e ela ali permanecendo. A patroa perdeu um
filho em acidente e Arlinda perdeu o seu para doença.
O chefe da
família faleceu e os dois meninos da patroa casaram-se e saíram de casa.
Ficaram as duas
sozinhas no casarão, passados 50 anos. Dormem no mesmo quarto para se ajudarem.
Duas velhas rabugentas que brigam.
A patroa é braba, mas Arlinda a ama. Irmãs! Almas gêmeas!
Mais uma
briga... A negra sai da sala e vai para seu quarto cantar. E se deixa ficar um
bom tempo, de pé, apoiada na cômoda.
O criado vem
chamá-la para o almoço. Uma lágrima rola em sua face, mas abre um sorriso.
Com
dificuldade, as duas, patroa e a agora amiga, apoiadas nas bengalas, sentam-se
à mesa.
E tudo fica
igual porque o amor, de cinquenta anos, mostra-se mais forte.
E amanhã... Amanhã
será só mais um dia.
(Homenagem a uma mulher que muito admiro pela fibra e pela doçura)
Suely Domingues Canero