quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Que mídia era aquela?!


Quando era bem pequena, assisti a dois re-encontros de uma forma que, à época, parecia natural: o boca-a-boca. Porém hoje, com todas as facilidades internáuticas, GPS, Waze etc., parece-nos impossível a forma como teria acontecido.

Vou contar-lhes, começando pela história de D. Cândida: sua persistência, sua saudade e seu amor.

Quando minha avó Amélia casou-se com "seu" Eugênio, ele trouxe sua filha, Yvonne que, até então, era criada pela avó paterna, D. Cândida, que, diziam, havia sido escrava.

Quando Yvonne estava com 13 anos, Eugênio teve um ataque cardíaco vindo a falecer. Assim, Yvonne ficou sem mãe, sem pai e sem avó, pois haviam perdido contato. Mas tinha a madrasta, minha avó, que acabou de criá-la. 

Vó Amélia mudou-se de moradias algumas vezes. Assim, Yvonne perdeu o vínculo com qualquer parente sanguineo. Acabaram fixando residência em um bairro da região portuária do Rio de Janeiro. 

Muitos anos se passaram. Yvonne já estava uma mulher quando apareceu na porta da casa onde moravam uma senhorinha negra, curvada, doente à sua procura.  Era D. Cândida que jurara que antes de morrer haveria de encontrar sua única neta. O encontro foi emocionante e a senhora, muito doente, pôde passar os poucos dias que ainda lhe restavam de vida junto àquela menina que um dia saiu de sua casa e não mais voltou.

Saber como chegou ao endereço da neta é um mistério nunca desvendado.

~~~

O segundo caso aconteceu com essa mesma avó Amélia. 
Era inverno e minha avó viu que, no bairro portuário em que residiam, havia uma senhora morando na rua. Sensibilizada, solidária, chamou a mulher a dormir num cantinho da cozinha. No início era só isso e um prato de comida. Aos poucos nossa família começou a perceber os hábitos e modos finos da senhora e ela passou a morar conosco, dormindo no quartinho do porão da casa.

Stella era seu nome, mas todos a chamavam de Dona Stella, incluindo minha avó. Era época de segunda guerra mundial e ela contava que o filho partira para a guerra, na Itália. A família ouvia a história com certa dúvida. Nunca se soube como ela ficou naquela situação de miséria. Como viera aparecer naquele bairro portuário? Especulava-se se teria vindo trazer o filho ao navio que o levaria à guerra e por ali ficava na esperança de breve retorno.

Aquela era uma época de muita aflição, pois o presidente Getúlio Vargas, que assegurava que não entraria na segunda guerra mundial que estava acontecendo, tendo navios brasileiros afundados por alemãs, não teve alternativas e enviou tropas para a Itália. Cada mãe ou esposa temia pela convocação de seus rapazes para lutar no front italiano.

D. Stella aparentava tranquilidade. Pensava na possibilidade de o filho estar vivo, mas pouco falava no assunto. Será que acreditavam nela?

Certo dia de 1948, já passados três anos do término da guerra e sem notícias do filho, Stella viu aparecer um jovem casal na porta do casarão onde moravam. Um jovem moreno, alto, bonito trazia uma mala. Uma mulher linda segurava seu braço. Era Noêmia, italiana com quem Luiz, o pracinha, filho de D. Stella, casara. Noêmia era alta, pele clara, corpo bem feito, cabelos compridos com cachos suaves. Chegou enchendo o ambiente de beleza. E Luiz, após apresentá-la a todos, anunciou que viera para buscar a mãe. Nenhum gesto de carinho. Sem abraço, sem beijo, sem emoção...

Minha avó apontou-lhe o dedo no nariz dizendo que ele abandonara a mãe na rua  e faria de novo e que fariam a mãe de empregada, e lançou mil argumentos para que D. Stella não os acompanhasse... Mas  a sofrida mãe quis ir-se com ele. E assim nossa querida moradora deixou um vazio enorme em nossos corações. Lembro-me de que chorei muito. Ninguém mais me chamaria de cambaxirra.


Suely DominguesCanero - set.2019