sexta-feira, 10 de abril de 2020


Ah! Minhas avós!

Minhas avós eram criaturas muito especiais para mim. Eram esquisitas mas me eram muito queridas.
Começava pela religião quando, ali pelos anos 1940, era proibido o culto espírita. 
A avó materna, Amélia, recebia os caboclos e pretos velhos em casa mesmo. E jogava búzios. Ah! E fazia pontos para melhorar a vida da clientela.

Já a avó paterna, Carmen, me levava para as sessões espíritas, num sobrado, cuja localização não sei dizer onde ficava,  e eu  amedrontada imaginando que a polícia chegaria a qualquer momento prendendo todo mundo.
Eram meio bruxas, diferentes das avós de minhas amigas,  mas isso era incorporado  com naturalidade por mim.

Hoje, não sei se é porque é Sexta-feira Santa, lembrei-me do hábito que minha avó paterna tinha de ir a velórios e enterros.
Todos os dias após o almoço gostava de pegar um ônibus em seu bairro, ir até o ponto final e voltar a casa.

Às vezes essas voltas eram substituídas por visita ao jazigo da família, no Cemitério do Caju, no Rio. O jazigo fica no final do cemitério e tínhamos que atravessar aquelas alamedas todas. Digo tínhamos porque ela aproveitava qualquer neto que estivesse disponível para acompanhá-la nessas aventuras. Sorte dela que os netos aceitavam fazer-lhe companhia e hoje temos essa história em comum para contar a nossos descendentes.

Vovó Carmen não perdia um enterro. Primeiro os velórios eram feitos nas próprias casas, incluindo dos filhos que vovó perdeu. Tempos depois já se faziam os velórios nas capelas do próprio cemitério. E vovó estava lá para cumprir a solidariedade com algum vizinho que perdera um ente querido.

Certo dia minha avó resolveu ir sozinha a um velório pois não havia neto disponível.
Foi lá, levantou o véu que cobria o rosto do falecido, sentou-se em um banco e começou a observar os presentes. Não reconheceu qualquer que fosse familiar do morto. Passado um tempo, decidiu confirmar com alguém o nome do falecido e quase caiu dura ao perceber que estava no velório errado. Já passara da hora do enterro do defunto certo e ela voltou frustrada para casa.

Triste por não ter cumprido o dever solidário com os vizinhos, contou aos filhos o que acontecera, lamentando-se muito.

Ao contrário do apoio que pretendia dos filhos, recebeu muita risada. Daí para a frente meus tios não pararam mais de relembrar essa história e ainda acrescentavam à brincadeira a informação de que todos os dias ela pegava o obituário dos jornais procurando onde seria o próximo velório a levar os pêsames.

abril2020Suely