quinta-feira, 6 de junho de 2019

Envelhecer Anos 2010.


Todos os dias ela acorda e arruma a casa. 
Nada fica fora de lugar. Pias sem louças para lavar, varal com as roupas limpas penduradas, pisos totalmente varridos, cama bem feita... Até sua bolsa pessoal ela arruma.
Sempre pensando que se chegasse alguém exibiria, com orgulho, sua disciplina.
Como se fora a bela adormecida, espera alguém que venha despertá-la dessa rotina.
- Ela está em seu castelo, olê olê olá...

Seguindo o hábito, toma banho, arruma-se e maquia-se levemente.
Se chegar alguém estará arrumada, tal e qual seu lar.
Se tiver que ir a qualquer atividade fora de casa, já estará devidamente pronta.
De segunda a sábado, os compromissos bancários, compras, academia enchem seu tempo.

A geladeira não pode ficar vazia. Está sempre abastecida, pois se chegar alguém terá o que oferecer.

Assim passa a semana. De segunda a sábado. O relógio acelera o tempo.
- O tempo passou a correr, a correr, a correr...

De vez em quando o interfone toca e, qual galope de um cavalo, ela corre a atender. Logo a decepção, pois,via de regra, é o porteiro avisando que fechará a coluna de água.

Domingo, ah! o domingo!
Chegado o domingo, que já fora no passado remoto o dia das famílias e amigos se visitarem, segue a rotina na esperança de a campainha tocar anunciando a chegada de alguém.
- Mas o muro é muito alto, olê olê olá...

À tardinha, já cansada da inércia, torce para a segunda-feira chegar rápido.
Sob as cobertas, de pijama,  abraçada a seu cachorrinho, desistindo dos programas bobos da TV, dá a última olhada do dia nas redes sociais. Muitos desejos de coisas boas, muitas figurinhas bonitas, muitos abraços e beijos... muitos. Onde estão esses mensageiros do rei? Quanta solidão escondem atrás dessas mensagens?

O sono chega e ela se prepara para, na segunda-feira, começar tudo de novo. 
Quem sabe alguém chegará de surpresa? Quem sabe?
- Adormeceu a rosa assim, bem assim, bem assim...

Sem galope, sem campainha, nenhum rei ou rainha para o toque dos lábios, para o abraço apertado.
- O mato cresceu ao redor, ao redor, ao redor... ao redor. 



Suely Domingues Canero