sexta-feira, 31 de julho de 2020

Sou Jovem

Conversava eu em uma sessão com meu psicanalista quando ele me perguntou, a propósito de meu comentário sobre envelhecer:
- Quando você percebeu que tinha envelhecido?
- Quando me olhei no espelho e não me reconheci. - Respondi

O psiquiatra ficou calado por instantes como se estivesse a vagar no espaço. Teria ele também sentido o peso do botão que fazia transformar o novo em o velho?

Eu acabara de completar setenta anos e, de uma hora para outra, as pessoas passaram a chamar-me "senhora" e a oferecer-me assento no metrô. Assim, de estalo, tudo junto como se setenta anos fosse o limite da juventude, que ainda se pudesse ter, e a velhice.

Não é fácil encarar esta pessoa que me é acabada de ser apresentada. Como conviver com a pálpebra caída, lábios não tão bem delineados, nariz que não para de crescer e ainda o desconfortante papo sob e queixo?

Passei a usar mais produtos de maquiagem como jamais havia feito. Não sei se fico ridícula, mas, se for para trazer um pouco de cor ao rosto, já me alivia.

Aprendi que para desligar-me da feiura dos efeitos das rugas devo usar três regras:

Visto roupas que valorizem o corpo ainda razoavelmente bem feitinho; uso o intelecto, o qual sinto infinitamente jovem, trabalhando minha capacidade de trazer velhas memórias e perpetuá-las em  livros e crônicas e, em contrapartida, uso vividamente as novas mudanças que o mundo me apresenta. A terceira regra é evitar o espelho para que a moça que está dentro de mim atue permanentemente.

Concluo, neste meu analisar, que ser velho não é ter marcas no rosto e no corpo. Enquanto estou debatendo temas, argumentando, resolvendo problemas, criando e realizando projetos... sou jovem.

Suely Domingues Canero
31 de julho de 2020

quinta-feira, 9 de julho de 2020

A Lágrima que Não Cai


O choro nem sempre vem acompanhado da lágrima.
Quando vem do olhar perdido, do soluço contido ou da dor da alma dilacerada, ele nos traz a angústia de um passado sofrido, de um presente bandido ou de um futuro indefinido.

Ele nos toma de assalto onde quer que estejamos; basta que nos lembremos de um menosprezo, de uma ingratidão, de uma traição... Tão doído!

A lágrima não rola porque aprendemos a segurá-la, numa necessidade de enganar o mundo que não quer saber de tristezas ou incertezas.

E seguimos chorando, olhos secos, para que não nos desnudemos aos olhos de pessoas que nem estão interessadas.

Suely Domingues Canero 2019